Vigilias
Nada me tira o sono, só mesmo a noite. Temos uma relação especial desde que me lembro de mim.
Em miúdo era mais o desafio de ficar a ver televisão até tarde, quando chegavam os programas mais giros. Felizmente o Vitinho nunca mandou muito lá em casa, nem eu percebia como os meus colegas da escola conseguiam ir para a cama às nove da noite. Lembro-me de argumentar que oito horas de sono bastavam e de calcular a hora da deita em função do despertador. É possível que hoje os meus Pais se arrependam de ter ido na minha cantiga - a minha Mãe despede-se ao telefone com um "deita-te cedinho", e o meu Pai tem medo que eu um dia destes "rebente" -, mas no fundo já sabem o que a casa gasta. E não sou o único lá em casa, é costume telefonar ao meu irmão para lá da uma da manhã e ficarmos um bom bocado à conversa.
Com a adolescência, a noite ganhou um fascínio ainda maior. Era tempo de começar a sair à noite e a passar férias com os amigos. Tempo de rir e de dançar, e de ter conversa suficiente para preencher uma directa. Mas mesmo sem chegar a esse exagero, a noite sempre foi a altura ideal para a conversa fluir cá de dentro. Não é à toa que ainda tenho bem vivo na memória muito do que se disse junto a uma fonte na Vermelha ou sob o céu irrepetível do Gerês. Tal como, um pouco mais tarde, as conversas em código de Martinlongo ou a espera pelo nascer do sol no Morro de São Paulo. E guardo no meu currículo pessoal, esse que nos realiza mais que qualquer curso ou emprego, momentos-chave onde o simples facto de eu estar acordado a desoras foi apoio suficiente para quem precisava de manter-se em contacto com a vida, ou de uma voz de confiança para voltar à calma. E para mim tem sido essencial ter do outro lado da linha quem me ouça sem se cansar e me ajude a pôr em ordem tudo o que vai cá dentro. Se é muitas vezes à noite que todos nos confrontamos com a solidão, eu prefiro não ter de a enfrentar sozinho!
Mas o que há de tão atraente na noite, para me fazer quebrar dia após dia a promessa de me tornar um rapaz disciplinado? É este silêncio, apenas cortado pelo ruído do frigorífico e pelos sons de quem já dorme. Enquanto de dia estamos sempre entalados entre uma tarefa e outra, à noite é mais difícil haver alguma coisa que nos interrompa. E a falta de distracções deixa-me o espaço livre para organizar as ideias, mastigar as notícias, ler o que me apetecer, e escrever. Noutro plano, não deve ser por acaso que as vigílias são momentos privilegiados de oração - veja-se o Natal e a Páscoa.
Só gostava que a noite tivesse mais horas. Para permitir aos dorminhocos mais horas de doce remanso e aos morcegos, sobretudo os que não podem dormir durante o dia, mais tempo de descanso. Porque com o passar dos anos a resistência vai baixando e pago o preço durante o dia.
Agora vou dormir. Por ser preciso, nunca por chegar ao fim.
Em miúdo era mais o desafio de ficar a ver televisão até tarde, quando chegavam os programas mais giros. Felizmente o Vitinho nunca mandou muito lá em casa, nem eu percebia como os meus colegas da escola conseguiam ir para a cama às nove da noite. Lembro-me de argumentar que oito horas de sono bastavam e de calcular a hora da deita em função do despertador. É possível que hoje os meus Pais se arrependam de ter ido na minha cantiga - a minha Mãe despede-se ao telefone com um "deita-te cedinho", e o meu Pai tem medo que eu um dia destes "rebente" -, mas no fundo já sabem o que a casa gasta. E não sou o único lá em casa, é costume telefonar ao meu irmão para lá da uma da manhã e ficarmos um bom bocado à conversa.
Com a adolescência, a noite ganhou um fascínio ainda maior. Era tempo de começar a sair à noite e a passar férias com os amigos. Tempo de rir e de dançar, e de ter conversa suficiente para preencher uma directa. Mas mesmo sem chegar a esse exagero, a noite sempre foi a altura ideal para a conversa fluir cá de dentro. Não é à toa que ainda tenho bem vivo na memória muito do que se disse junto a uma fonte na Vermelha ou sob o céu irrepetível do Gerês. Tal como, um pouco mais tarde, as conversas em código de Martinlongo ou a espera pelo nascer do sol no Morro de São Paulo. E guardo no meu currículo pessoal, esse que nos realiza mais que qualquer curso ou emprego, momentos-chave onde o simples facto de eu estar acordado a desoras foi apoio suficiente para quem precisava de manter-se em contacto com a vida, ou de uma voz de confiança para voltar à calma. E para mim tem sido essencial ter do outro lado da linha quem me ouça sem se cansar e me ajude a pôr em ordem tudo o que vai cá dentro. Se é muitas vezes à noite que todos nos confrontamos com a solidão, eu prefiro não ter de a enfrentar sozinho!
Mas o que há de tão atraente na noite, para me fazer quebrar dia após dia a promessa de me tornar um rapaz disciplinado? É este silêncio, apenas cortado pelo ruído do frigorífico e pelos sons de quem já dorme. Enquanto de dia estamos sempre entalados entre uma tarefa e outra, à noite é mais difícil haver alguma coisa que nos interrompa. E a falta de distracções deixa-me o espaço livre para organizar as ideias, mastigar as notícias, ler o que me apetecer, e escrever. Noutro plano, não deve ser por acaso que as vigílias são momentos privilegiados de oração - veja-se o Natal e a Páscoa.
Só gostava que a noite tivesse mais horas. Para permitir aos dorminhocos mais horas de doce remanso e aos morcegos, sobretudo os que não podem dormir durante o dia, mais tempo de descanso. Porque com o passar dos anos a resistência vai baixando e pago o preço durante o dia.
Agora vou dormir. Por ser preciso, nunca por chegar ao fim.
4 comentários:
como te compreendo primo...
é a primeira vez que comento, apesar das muitas visitas!!!
grande abraço...
hugo mesquita
qualquer coisa mesquita.pessoal@gmail.com
embora eu seja uma pessoa matinal... adoro o dia, adoro dormir cedo para poder acordar cedo... admito que adoro aqueles 30 min que fico sozinha na cama á espera dele, no escuro, a olhar para a lua e a pensar em mil coisas ao mesmo tempo mas sem nervos, com muita paz...
adorei o texto...
:) NEM MAIS!! AInda hoje estive a conversar isso com um colega medico. Eh q eu cheguei ao nosso amocinho de natal aqui do grupo as 12h... com cara de sono. Eu tentava disfarcar, tentava, com sorrisos despertos, mas nao conseguia deixar de sentir a palmada discrinatoria duma sociedade anti-noctivaga fascizoide! Eh q nos nao somos caloes caracas, funcionamos eh melhor depois das 14h, somos um espectaculo de productividade la pas 17h e temos o nosso climax criativo as 23h!! Ora ele consoloiu me dizendo que eh capaz de ser coisas dos genmesm, como a cor dos olhos. EU nao, mas no fundo, vamos la ver: quem eh q tem momentos inesqueciveis ocorridos entre as 7h e as 13h? Eh q sendo assim mais vale tar em REM!...
ok, que calinadeira q te pus no ultimo post, chissa, leia-se:
almocinho
discriminatoria
consolou-me
genes
Eh o q dah madrugar as 11am e nao dormir o suficiente... :)
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