segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Michelle

Nos últimos anos, fui conhecendo mais e mais sobre o Chile, primeiro através do Marcos, que lá trabalhou 2 anos, e depois mais aprofundadamente pelo Eduardo. Fiquei fascinado pelas descrições de Isabel Allende n'O Meu País Inventado, e mais ainda pelas muitas fotografias de lá que fui vendo, e só espero a melhor oportunidade para ir ver pelos meus próprios olhos.
A história recente do Chile teve como principais marcos o governo do socialista Salvador Allende no início dos anos 70, o golpe de Pinochet em 1973 e a sua ditadura que durou até 1990, ano em que os chilenos votaram num plebiscito pela convocação de eleições democráticas. O velho general continua vivo, mas apesar de ir aparecendo nas notícias pelas sucessivas tentativas de ser julgado por genocídio e usurpação de receitas fiscais, já não é tema de destaque no seu país.
Sociologicamente o Chile é muito parecido com Portugal. É maioritariamente católico e razoavelmente conservador nos costumes, talvez até mais que nós. O aborto não é permitido (e bem!), o divórcio só foi recentemente reconhecido no ano passado e, só por curiosidade, homens e mulheres votam em edifícios diferentes (e não é que a lei eleitoral foi escrita por um membro da Obra?).
As eleições disputam-se entre duas grandes coligações: de um lado, a Concertación junta socialistas e democratas cristãos, e governa o país desde 1990; do outro, a Alianza Por Chile alia os liberais da Renovación Nacional aos saudosistas de Pinochet da UDI. Perante este cenário, o meu habitual sentido de voto à direita mudaria certamente.
Nestas eleições para Presidente (que para eles é o chefe do Governo) defrontavam-se a médica pediatra Michelle Bachelet e o empresário Sebastian Piñera. Na campanha, os sectores mais ortodoxos criticaram Bachelet por ser divorciada e agnóstica, e pressionaram os bispos para que apoiassem o outro candidato, mas felizmente isso não aconteceu. Aliás, ela nem sequer defendia no seu programa nenhum dos "temas fracturantes" de que a nossa esquerda tanto gosta. Colocou como prioridade do seu mandato a construção de um sistema de protecção social que combata as desigualdades que vão crescendo. É que a aposta numa economia liberal trouxe ao Chile um crescimento estável e o reconhecimento aos olhos do mundo, mas ao mesmo tempo foi deixando muitos cidadãos para trás.
Mas queria realçar a maneira com que Bachelet reagiu ao efeito devastador da ditadura militar na sua vida pessoal. O seu pai era general da Força Aérea no tempo de Allende, e por isso foi preso e torturado pelos militares de Pinochet, tendo morrido na prisão. Ela própria foi presa e torturada, e depois teve de abandonar o País. Voltou para se formar em Medicina, e mais tarde veio a estudar estratégia militar; depois foi ministra da Saúde e da Defesa no Governo que agora cessa funções.
Sobre o seu percurso, disse no discurso da vitória: "A violência entrou na minha vida, destruindo o que eu amava. Fui vítima do ódio, mas consegui convertê-lo em compreensão, tolerância e, porque não dizer, em amor. (...) Pode-se amar a justiça e, ao mesmo tempo, ser generosa. Porque o Chile se reencontrou e porque avançámos muito e o meu governo será de unidade."
Isto faz-me pensar nas eleições que vamos ter daqui a uns dias. Assim tivessem os nossos candidatos os olhos mais no futuro do que no passado! Claro que é bom preservar a memória, mas se já há 3 décadas que vivemos em democracia, porquê insistir nos chavões do anti-fascismo? E se é verdade que os tempos não são os mais famosos, não enjoa já um bocado o discurso da crise? E para quando uma mulher?

3 comentários:

Maffa disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Maffa disse...

Grazi pelo update político do Chile. Qualquer dia queremos a situaçao Indiana!

Mafi disse...

Votam em edifícios separados???