sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Imagens

Feto com 10 semanas

Até há poucos anos o processo de desenvolvimento intra-uterino era apenas conhecido de quem estudava os livros de ciências ou medicina. Quando eu nasci praticamente não se faziam ecografias. Hoje em dia a evolução da gravidez está à vista de todos e até já se fazem imagens a 3 dimensões.
Ainda assim, num debate em que participei na minha escola secundária aquando do outro referendo, uma activista da UMAR insistia que estávamos a tratar de um "amontoado de células". O pior cego é o que não quer ver.
No entanto, não concordo com o uso de imagens de abortos na campanha. Foram essas imagens que me convenceram a envolver-me nesta discussão, mas não vão convencer ninguém do outro lado, apenas acicatar mais os ânimos. Ainda que todos reconheçamos a importância das imagens chocantes, como as que todos os anos a World Press Photo nos oferece, para divulgar o que vai mal no mundo. Acho, sim, que se deve explicar os vários métodos que existem, seja o aborto legal ou ilegal.
Mais do que o resultado que se traduza na lei, importa-me que cada um pense no que faria se o acaso lhe batesse à porta. E se isso fizer evitar alguns abortos, já valeu a pena.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tiago!
Creio que um bom passo para nos começarmos a entender nesta questão seria admitires que antes - até pode ser mto antes - das 10 ou 12 semanas - a vida humana começa por ser precisamente um conjunto de células. (Não é um conjunto de células qualquer, naturalmente, é o conjunto de células que inicia a vida humana!) Depois seria interessante olhar as coisas também de outro ponto de vista. Que valores defende REALMENTE quem defende a vida humana TAMBÉM no seu início mais incipiente? Que outros valores subalterniza, quando defende aqueles seus até tão recuado momento?
Da propaganda pró-vida resulta claramente a resposta à primeira questão: defende-se o valor da própria vida humana: é uma coisa que vale por si. É sagrada.
Em resposta à segunda questão: nos casos de que falamos defende-se o valor da vida humana desde o seu pequenino começo, a despeito de outros valores que possam estar envolvidos: a tal maternidade consciente e desejada, a tal qualidade de vida que se pode proporcionar, o tal controlo do seu corpo pela mulher, etc.
Para mim, é aqui que está o busílis.
Porque é que nas situações de aborto que vão agora a referendo a supremacia do embrião existe logo desde o início?
1. Uma primeira hipótese seria demasiado simples: é uma hierarquia de valores. Far-se-ia da pergunta a resposta: uma mulher não pode fazer valer o seu enorme interesse de só ter uma maternidade desejada e em condições, porque é o começo da vida humana que está em causa.
Não acredito que isto seja verdade na tua cabeça nem noutras pró-vida que conheço. Sabendo que prezas tanto uma maternidade desejada e em condições, é-me difícil acreditar que a subalternizes ao primeiro início da vida humana. Não o farias, creio eu, no caso de uma fecundação in vitro indesejada e sem conhecimento da mulher (um caso meramente académico, mas com um certo interesse).
Tendo isto em conta, reformule-se o teu argumento de modo a que seja mais parecido com aquilo que eu acho que é:
2. Está em causa o valor da vida, e acresce que foi a própria mulher (e o homem) co-responsável pela colisão / incompatibilidade entre a vida do embrião e o seu interesse de só ter uma maternidade desejada, em condições, etc.
Creio que esta razão está sempre bastante presente. Ela resulta muito do senso comum. Num qualquer caso de conflito de direitos ou interesses entre duas pessoas, devem os interesses da pessoa que, eventualmente, lhe deu causa, ser penalizados, consoante o seu grau de responsabilidade (ainda que, num caso extremo, possam prevalecer sobre os da outra pessoa não responsável pela colisão).
Esmiucemos este argumento: ele é válido para ti, mesmo nos casos em que a mulher fez um uso zeloso de contraceptivos, ou seja, nos casos em que a sua responsabilidade em termos de intenção ou previsibilidade seria a menor possível.
Mas há outra maneira de se ser considerado responsável pela colisão, mesmo quando se tomou medidas de precaução e o risco era mínimo. Basta considerar que o comportamento arriscado tem pouca ou nenhuma justificação. Se for ainda por cima censurável, como prevê a Igreja, mais certa é a responsabilidade e mais forte a necessidade de penalizar aquele que ocasionou a colisão de direitos. É que, na verdade, o comportamento de que falamos é tão só o sexo só pelo sexo. E sabemos bem o que a Igreja acha disso.
3. Outro dos motivos camuflados que parece estar na origem de tão estremada posição parece ter que ver com a necessidade de orientação e a aplicabilidade das regras de comportamento. Lei que se preze, que se queira emanada de autoridade divina, não deve começar na 2.ª ou 3.ª semana. Lei que se preze tem que parecer emanada das próprias coisas. Se há ali uma descontinuidade na matéria que permite dizer que o momento da fecundação é o começo, então ali tem de começar também a lei e a regra. Caso contrário fica mais difícil dizer que a lei deriva da natureza das coisas ou de Deus e não surge da cabecinha de pessoas a pensar e a sentir o mundo.
É uma desorientação tramada. Pensar é tramado.
Abço,
R.