quarta-feira, 21 de junho de 2006

Fragilidades

Tenho dois receios em relação ao que escrevo no blog.

Por um lado, tenho receio de assustar a minha família e amigos com a ideia de que alguma coisa possa estar a correr mal; por isso, salvo alguns desabafos ocasionais, tento aqui deixar sempre as partes positivas, que naturalmente são apenas uma parte da história.
O segundo receio, que se tem tornado cada vez mais forte, é o de confinar estas crónicas a um registo superficial das "coisas giras" que vão acontecendo por aqui. Porque não criei o blog para ser superficial, mas sim para ser uma janela entreaberta para o que me vai cá por dentro, e porque nem todos os dias são preenchidos com "coisas giras".
Outras pessoas já me disseram que eu não devia contar aqui demasiado. A esses só peço que confiem no meu juízo. Não vou contar coisas desnecessariamente íntimas, mas também não tenho medo que os que por aqui passam fiquem a saber o que me vai na alma, ou até uma ou outra das minhas manias estranhas mas inócuas. Os blogs são também uma maneira de aprendermos uns com os outros.

Dito isto, conto-vos o que me tem (pre)ocupado a mente nos últimos tempos.
Sempre fui muito mimado pelos meus amigos. Não é que seja o miúdo mais popular da minha rua, mas graças a Deus nunca faltou quem me convidasse para almoços, jantares e "cafés"; quem me incluisse nas idas ao cinema, nos passeios mais ou menos longos e nos serões de cavaqueira; quem me contasse em primeira mão a última cusquice e quem me ligasse a meio da noite a desabafar algum problema. Na maior parte das vezes, foi mais iniciativa dos outros do que minha. Se tenho algum mérito nisto, é apenas o de me mostrar sempre disponível e o de dar sincera atenção aos outros, creio que poucos me poderão acusar do contrário.

Acontece que a vida que eu tenho aqui não é a mesma que tinha em Portugal, nem nunca poderia ser igual. Simplesmente porque esse mundo de que eu fazia parte, e continuo a fazer, não está aqui. Quando digo que é diferente, não implica que seja pior. Tenho aqui muitas coisas que não tinha em Lisboa (amigos de outras culturas, mais animação cultural, copos de cerveja com o triplo do tamanho...), e de certeza que muitos não se importariam de estar onde eu estou.

Quando vim para Londres há 2 anos, sem conhecer quase ninguém, encarava como o maior desafio aprender a passar tempo sozinho. E até achava que não me iria ligar muito a ninguém, para não ter de passar mais tarde pela tristeza da despedida (já viram tamanho disparate?).
Felizmente enganei-me: fiz muitos amigos, diverti-me, passeei e tive boas conversas. E a decisão de cá ficar a trabalhar foi muito influenciada pela vontade de prolongar mais um pouco esse espírito e adiar algumas despedidas.

A vida nova trouxe novos desafios: uma casa para cuidar, a convivência constante com o Eduardo e a Nayan, mais dinheiro no bolso, um trabalho que no geral me realiza, e agora a companhia do Artur. Mas nalgumas coisas tive algum azar: não tinha feito amigos na minha turma da faculdade, e a maioria dos amigos da residência voltou aos seus países; os colegas do trabalho são simpáticos, mas nada a minha onda; estranhamente (ou será falta de atenção?) ainda não encontrei por aqui nenhuma miúda que me entusiasmasse.
Por esta razão, não têm abundado os tais convites com que toda a vida fui mimado. Na minha cabeça, atiro as culpas para os que me estão mais próximos e fico invejoso dos amigos que mantiveram da faculdade ou dos que fizeram no trabalho. Mas claro que eles são livres de terem os seus programas e não quererem misturar, e eu tenho de o aceitar. "Quem quer a bolota, trepa", por isso tenho de ser eu a tomar a iniciativa, e um exemplo disso é o concerto a que hoje vamos. Também não me faria mal ir, pela primeira vez na vida, deliberadamente à procura de amigos (juntar-me a um grupo, por exemplo), e por certo o farei, porque sinto que me faz falta socializar.

Mas a questão central, que demorei a vislumbrar, é mais profunda que isto. Porque terei eu de depender tanto dos outros para estar mais ou menos feliz? Porque não aproveito o tempo que me sobra para desenvolver os meus talentos e os meus interesses: para ler, para escrever, tocar música, política, religião, sociologia, psicologia, cinema... Tantas coisas em Londres para aproveitar em todos esses campos, e eu fechado em casa a lamentar que ninguém me liga! E ao cultivar-me, fico mais independente, torno-me mais interessante para os outros e provavelmente até conheço mais pessoas.
Agora que o percebo - e para perceber melhor tive de o escrever -, sinto-me um bocado idiota! Mas cheio de vontade de mudar!
No regresso das férias, espero começar uma nova fase. Melhor ainda, quero começar hoje mesmo! Não quer dizer que os pensamentos vão desaparecer de um dia para ou outro, e que não volte a sentir tudo de novo. Mas terei este momento de lucidez que aqui deixo registado como referência. E se no futuro lerem por aqui mais lamentos deste género, por favor mandem-me à merda!

Ao revelar as minhas fraquezas, não o faço para incutir pena ou receber palmadinhas nas costas. A vida tem altos e baixos e de maneira nenhuma me considero infeliz. Nem minto quando aqui relato com entusiasmo a minha vida em Londres - isto é mesmo giro!
Mas faz-me bem admitir as fraquezas para andar para a frente. E rezo para que essas fraquezas sejam habitadas pela força de Cristo, para poder dizer, como São Paulo, que quando sou fraco, então é que sou forte (2 Cor 12, 10).

14 comentários:

Anónimo disse...

Fui eu que tirei esta fotografia!

Anónimo disse...

Deve ter sido o post que eu mais gostei de ler nos últimos tempos! Bjs!!

Anónimo disse...

Na minha modesta opinião acho que temos de saber aproveitar o que a vida nos dá em diferentes momentos...

São estas diferentes experiências k nos fazem crescer como pessoas, e k nos dão estaleca para enfrentar o k ainda está para vir

P.S: Se tivesses ido para o Hawai poderias aprender a surfar (eheh)

Abraço

Maffa disse...

olá tiaguinho! Eh eh, eu já estou habituada a escrever um post triste e ter montes de vozes preocupadas. Mas o blog e a vida é assim mesmo- Altos e baixos, encontros e desencontros. Por isso gostei muito de te ler!
Sabes que partilho contigo essa tua experiência de necessidade de amigos por perto e com programas constantes, e por isso muita coragem para ti para te voltares para fora, e descobrires novas coisas para fazer! depois manda-me a receita :-)

Cromossoma X disse...

Olá Tiago.
O teu post talvez tenha sido uma das coisas que mais gostei de ler nos últimos tempos...simplesmente porque tu conseguiste por em palavras os meus sentimentos...

Tambem eu refutava ter amigos verdadeiros quando aqui cheguei. Pensava que poderia sobreviver sozinha, achei que teria muito mais tempo para me descobrir como pessoa, os meus gostos e ter certezas nas minhas opções. A vida não me desiludiu, e na verdade, além de ter aprendido que sou autosuficiente, criei amigos para a vida, pessoas sem as quais já não me imagino a ser feliz aqui.
Percebi que me liguei demasido, que os tornei parte da minha vida e que muitas vezes (tal como tu!) fico sem saber o que fazer num domingo em que ninguém combinou nada, ou quando não tenho ninguém com quem ver o Portugal-México porque ninguém consegue perceber o espírito.
Talvez esta tenha sido a experiência mais enriquecedora da minha vida, abriu-me portas para o mundo, deixou-me voar sem medo e permitiu-me ver as coisas com uma outra luz. Mas confesso que muitas vezes questiono tudo o que pus e ponho em causa para estar aqui. Terá valido a pena? Acho que nunca saberei a resposta definitiva embora o meu intímo responda de imediato:
-Valeu concerteza!

andrea disse...

percebo-te perfeitamente... é giro poder fazer todas as experiencias diferentes na vida, ma depois quando se chega a casa quer-se o que mais gostamos ou seja os amigos... e esses nas cidades novas que conhecemos escassam. claro que fazemos amigos, mas eu percebo que queriamos aqueles que sempre partilharam connosco os sorrisos, choror e birras!

daí a expressão "não sou eu sem eles!" porque eu sinto que fazem todos parte de mim, e sem eles, embora esteja bem não estou a 100%!
em milão criei as "pink parties" só para raparigas, sem aquele clichê de falar só de homens mas sim uns jantares para nos ocnhecermos melhor depois de um ano no qual não conheci nem me dei a quase ninguém... agora... por vezes penso que os amigos de milão são tão importante quanto aqueles de lisboa...
aqui na belgica a coisa é mais dificil, e ach oque quanto mais vou crescendo mais ma bloqueio quando tenho que conhecer alguém. conheço muitas pessoas, os convites crescem a olhos vistos, mas é ocmo se nunca fossem tão fortes como eram...
penso que o tempo vai ajudar... vai passando e quando olharmos para trás, se mudar de cidade, vou ver mais amigos e mais "casa" do que imaginava!

joãoB disse...

o mia couto diz que um homem nao se torna velho enquanto for capaz de fazer novos amigos.
Eu sempre devo ter tido muita sorte, e se calhar nem me apercebi, mas acabei sempre por fazer amigos fortes em todo o lado onde vivi (portugal, brazil, frança). Agora sempre que penso em cada um deles dou-me conta que esses momentos foram os melhores da minha vida
Mas, uma coisa tive de aprender sobre mim mesmo: eu nao me dou conta disso na altura.
Tomar consciencia pode ajudar.

DM em Caracas disse...

Vinha hoje no jornal do metro que bastam 4 minutos para se conhecer uma pessoa. 4 minutos! 4 minutos dão assim para uma olhadela e uma catalogação rápida, mas não para se conhecer alguém.
Pode-se levar meses, anos ou uma vida inteira a conhecer alguém, mas o mais importante é mesmo conhecermo-nos bem a nós próprios.
Também gostei muito do post, apesar de eu ter um bloqueio no meu blog de escrever sobre o meu lado lunar.

p.canha disse...

Tiago,

um abraço... tout court!
paulo

Anónimo disse...

Tiagão,

Obrigada pela tua transparência!
A vida é mesmo assim! Há uns momentos melhores e outros q nos parecem piores, mas são apenas desafiantes, para te tornares uma "melhor" pessoa!
Força nisso!
Tu vais conceguir! a mudança é aos poucos... o importante é não desistir e saber saborear o q a vida nos oferece em cada momento!!:D
bjinhos

Anónimo disse...

Passei por ver como andam as coisas e não resisti a partilhar neste.. (não é para palmadinhas, né? mas convida a partilhar..)

"Tantas coisas em Londres para aproveitar em todos esses campos, e eu fechado em casa a lamentar que ninguém me liga!" :) fez-me pensar que em Portugal com algumas pessoas (euzinha), passa-se o mesmo. hoje (amanhã posso estar de rastos mas hoje) aceito a solidão.. numa altura em que todos parecem encontrados e felizes, surge forte a tentação de cair na tristeza.. a solidão? existe e ponto final. o que fazer? relativizá-la em ordem à vontade de Deus e socorrer-me de estratagemas para não cair na não-esperança (fazer o -bem- que sempre me apeteceu fazer) e rezar por um grande amor à medida do nosso coração (ou mais, para que ele cresça um pouquinho! :))

como tu dizes (e cada vez mais o percebo), é qdo sou fraca, que descubro em mim uma certeza de que o bem vence sempre!

pronto, abusei da confiança e partilhei. :)

continuação de boas férias.
milene

Anónimo disse...

Andava a procura noticias com as palavras mundial, portugueses,londres e tropecei no teu blog.Tambem eu sou portuguesa em Londres. Vim para ca so para fazer um master. Depois era so para trabalhar aqui um ano mas a verdade e que fui ficando e ja la vao quase 3 anos. Tenho muito respeito pela tua melancolia. Eu ja me habituei a viver no limbo. Acho que ja nao consigo voltar porque nunca consiguiria prescindir de viver num pais onde onde uma miuda de 26 consegue ganhar para pagar as contas, beber um copos e fazer umas ferias giras de vez em quando, saber mais ou menos quanto tempo demora para ser promovida no emprego, poder beneficiar da diversidade de capital humano que Londres tem para oferecer e principalmente saber que so fico em casa a ver os meus dvds de South Park se estiver numa de lontra... porque ha sempre alguma coisa nova para fazer nesta cidade: as vezes sozinha, outras vezes acompanhada... Sinto falta dos fins de tarde e cafes depois de jantar em cafes sem glamour nenhum que passava no Porto com as minhas amigas de entao, sinto muita falta de uns bons filetes de pescada com arroz de feijao, sinto falta de ver os jogos de futebol com a minha familia e amigos e de ver toda a gente feliz quando o Porto ganhava independentemente dos problemas que estivessem nas costas de cada um, sinto falta dos almocos de domigo com a familia, sinto falta de saber a sexta a feira a noite que existe sempre alguem amigo pronto para ir para os copos ... Mas acho que este limbo e um estado constante para todos os que sem se aperceberem, devagarinho vao adquirindo o estatuto de imigrantes..

Ler o teu post foi muito bom, porque e bom constatar que que existem outros que como eu ca estao a tentar fazer das aspiracoes realidade e que, inelutavelmente as vezes nao conseguem deixar que a saudade nao os enfraqueca. Mas cada dia e um dia em que crescemos com as coisas boas e mas e o que nao mata so nos fortalece.

Take care

Sofia

so disse...

so para dizer que tambem me apercebi disso. fazer amigos em inglaterra nao e facil, as pessoas sao simpaticas, mas e so isso, simpatia.

mas aos poucos melhora... ainda que em 8 meses so tenha feito 3 amigos... e dois nao contam porque ja os conhecia... uma amiga, portanto... :P (mas das boas!)

ja nao me queixo, mas continua a faltar-me companhia para os fins-de-tarde no cafe da esquina, ir tomar o pequeno almoco fora ao fim de semana e outras pequenas coisas a que estava tao habituada.

Claro que a experiencia esta a ser optima. Eram so seis meses, depois mais seis, e dpeois sabe-se la. :P

take care!

Sofia Lages Portfólio disse...

Esta é a primeira vez que passo por aqui... mas este teu texto, deixou-me aliviada, sabes porquê? Porque vejo que apesar das nossas diferenças, o ser humano pensa da mesma maneira, em diversas situações. Fizeste-me sentir melhor, apesar de haver algumas diferenças na minha situação, é que... depois de regressar da faculdade, sem ter terminado o curso, os amigos, aqueles verdadeiros amigos, já não estavam tão dispostos a aturar-me como eu esperava que o fizessem...
Foi muito duro para mim ter que fazer novas amizades, e não conseguir recuperar as antigas.
Não tenhas receio de escrever o que sentes num Blog... há milhares de pessoas na tua situação, por solidão, por amor, por fracassos, ou mesmo por sucesso. Geralmente quem lê, fá-lo por gosto,e quem escreve, quando o faz é por vontade, por não ter com quem se abrir, e porque hoje em dia tudo parece tão banal, tão igual e ao mesmo tempo tão intenso.
Talvez volte aqui... quem sabe.
Até lá...